Nos Tempos Da Minha Infância

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Nesses tempos, na cidade da Praia, os famintos não estavam autorizados a morrer onde bem entendessem. Para racionalizar e facilitar a operação de recolha dos cadáveres, os famintos só estavam autorizados a morrer nos becos que ladeiam, a norte e a sul, o Mercado Municipal, e deviam respeitar rigorosamente o horário das 9 horas da noite às 6 horas da manhã. Com o despontar do dia, o leito de agonia e morte tinha que ser desimpedido, devendo os sobreviventes procurar outro canto discreto onde morrer, fora das vistas. Entravam então em cena os gatos-pingados camarários, com as padiolas, para a macabra tarefa de recolha dos cadáveres da noite, com destino às valas comuns, renovadas de três em três dias. Eram enterrados anonimamente, sem uma cruz, nem uma bênção do padre, tendo por sudário umas quantas pazadas de cal viva. Logo após a recolha dos cadáveres, procedia-se à lavagem dos vómitos, das urinas, das fezes de uma noite de agonia e morte, e à desinfecção do local, sem que a creolina pudesse abafar o viscoso cheiro da fome. Às sete horas da manhã, tudo devia estar em ordem e preparado para que a vida continuasse a fluir na normalidade.

Informação adicional

Autor

Osvaldo Lopes da Silva

Ano Publicação

2011

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